Da mais importante instituição do ideário moderno à consolidação das atividades solidárias: as transformações das lojas maçônicas ao longo dos séculos
José Rodorval Ramalho 01/08/2011
Um banquete
maçônico, na França, em 1840 / Fonte: Wikimedia-cc
A chegada da
Maçonaria ao Brasil, no final do século XVIII, pode ser entendida como um dos
sinais do processo de modernização do país. A instituição foi o mais importante
espaço de divulgação do ideário moderno (mesmo que mesclado com um mais
tradicional) e conseguiu atrair uma parcela significativa da elite para
dialogar, à sua maneira, com os ideais iluministas emergentes no período.
A atividade
maçônica formou, a partir do início do século XIX, uma rede de lojas por todo o
território brasileiro e organizou o que, provavelmente, foi a primeira atuação
política articulada (nacional e internacionalmente) de uma instituição civil de
que temos notícia no nosso país. Funcionava como uma espécie de arena para
discussões voltadas ao processo de modernização, a Independência, a abdicação
de Dom Pedro I, o abolicionismo, a questão religiosa, a separação da Igreja do
Estado, o movimento republicano e outros assuntos menos comentados.
O ambiente
maçônico é um lugar que privilegia discussões filosóficas, atividades
filantrópicas, debates sobre a realidade sócio-econômica e cultural. Ao mesmo
tempo, a maçonaria é uma instituição secreta, iniciática e, consequentemente,
aristocrática, na qual só participam homens (pelo menos no “movimento maçônico
regular”), alfabetizados, sem defeitos físicos, maiores de idade e com nível de
renda suficiente para assumirem os custos da filiação à instituição;
instituição na qual a hierarquia está presente em todos os seus procedimentos,
desde a estratificação em graus de iniciação, até os vários níveis de luto
quando da morte de seus integrantes.
Ao longo do
século XX o adensamento da sociedade civil e a consequente emergência de novos
atores no espaço público fizeram com que a maçonaria perdesse aquele
protagonismo identificado no século XIX. Mesmo assim a organização está
presente em todas as capitais e principais cidades do país. Além disso, estima-se
que somente o Grande Oriente do Brasil (GOB), uma das federações maçônicas
brasileiras, abrigue em torno de 100 mil maçons, nas suas mais de 2.200 lojas.
A taxa de crescimento do número dessas lojas girou em torno de 10% nos últimos
dez anos. A maçonaria, portanto, não está se desintegrando, continua em
expansão.
Podemos
verificar na solidariedade maçônica um conjunto de atividades que procura
apoiar, auxiliar, defender e acompanhar maçons e não-maçons em situações
adversas, contingentes ou permanentes. Essas ações que, quase sempre, se
desenvolveram por meio das próprias lojas, já se viabilizam a partir de
organizações civis criadas especificamente para estes fins.
A maçonaria
também tem participado intensamente de várias campanhas, entre elas, contra o trabalho
infantil e contra as drogas. Tais campanhas são encaminhadas conjuntamente com
órgãos estatais (como as prefeituras, Polícia Federal, Ministério do Trabalho),
instituições internacionais (como a OIT e a Unesco) e várias outras
organizações da sociedade civil.
Outro tipo
de ação solidária que também pode ser observada no universo maçônico é aquela
que socorre imediatamente cidadãos que se encontram em situação de extrema
dificuldade de sobrevivência e envolve arrecadação de alimentos, remédios,
roupas, cobertores, como é o caso das campanhas de ajuda aos flagelados da seca
no Nordeste e aquelas campanhas que se solidarizam com vítimas de outras
catástrofes naturais (cheias, epidemias, desabamentos etc.).
Muitas
ações maçônicas passam despercebidas, não somente pelo fato da instituição
primar por certa discrição, mas também porque no imaginário sobre a Ordem
sempre se destacaram outros aspectos que giram em torno dos seus segredos
rituais, da proibição da participação das mulheres, do seu anticlericalismo, da
sua suposta onipresença nos espaços de decisão política e muitas outras
representações que foram se fixando ao longo dos tempos e que construíram,
muitas vezes, uma imagem distorcida da maçonaria. A pesquisa social, no
entanto, tem feito muito pouco para compreender esse tipo de ação da
instituição que vem desempenhando um papel importante na formação da nossa
cultura associativa, na nossa tradição assistencial e no nosso modelo de
voluntariado. Podemos considerar, pelo menos, quatro hipóteses para esse
desinteresse: a) a maçonaria se manteve muito fechada ao diálogo com a
academia; b) a instituição, de fato, perdeu importância com a expansão do
associativismo em geral; c) a maçonaria foi identificada com a ditadura militar
em função do seu apoio explícito à contrarrevolução de 64; d) o estudo sobre
elites não é o forte da pesquisa social brasileira.
O percurso
da maçonaria não é linear ao longo da história. Nos três séculos de sua
existência, viveu muitos momentos de glória, bem como situações extremamente
difíceis. Perseguiu e foi perseguida. Em todos esses momentos, os maçons
reinventaram suas próprias tradições para continuar seu caminho. Resta saber se
essa força e capacidade continuarão a caracterizar a instituição neste século
que se inicia.
José Rodorval Ramalho é
professor de Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe e autor de
“Novae sed Antiquae: tradição e modernidade na maçonaria
brasileira” (Ed.Ex-libris, 2008).
Nenhum comentário:
Postar um comentário