domingo, 24 de abril de 2011

A tradição das cartas persiste com a internet

No mundo de mensagens instantâneas nas redes sociais, pessoas escrevem cartas e trocam cartões-postais

Há quanto tempo você, leitor, não escreve uma carta para alguém querido? Um cartão com saudação de aniversário ou de Feliz Páscoa, por exemplo, seria bem-vindo. Porém, as correspondências já não fazem mais tanto sucesso como antigamente. Muitos da geração que nasceu com a internet talvez nunca selaram um envelope.

Apesar do "reinado" das comunicações instantâneas e virtuais, dos e-mails, mensagens de celular e redes sociais, pessoas ainda tentam manter viva estas antigas tradições. São saudosistas que preferem mandar cartas, trocar cartões-postais e escrever em diários pessoais. Tudo à mão, com caneta e papel, textos longos e emocionados, longe da limitação dos 140 caracteres do twitter.

O jornalista Gilson Barbosa, 49, manda e recebe cerca de 10 cartas por semana. A maioria de amigos do exterior. Ele também usa o computador, mas ainda prefere a ansiedade da espera por notícias, a curtição de cada palavra escrita pela saudade do encontro futuro. Na sua casa, ele guarda mais de 5 mil correspondências recebidas por colegas que, desde 1991, lotam a sua caixa postal.

Em época de Páscoa, Natal, Ano Novo, uma média de 40 novas cartas surge para lhe felicitar. Tudo começou quando, com 13 anos, ele teve o desejo de viajar o mundo. Inventou de conhecer a Inglaterra e enviou uma ingênua carta à vossa Majestade, pedindo que a rainha Elizabeth fosse sua amiga. Como retorno ao recado recebeu da Embaixada do País uma fotografia oficial da realeza e um texto explicando a impossibilidade da amizade. Até hoje Gilson guarda este documento que foi o pontapé inicial da sua paixão. Ele tem correspondentes do mundo todo, ganha postais, moedas, selos, livros e afetos dentro de cada envelope.

"Eu entrei, nos anos 90, em um Clube de Correspondência na República da Irlanda e comecei a mandar textos para desconhecidos e hoje tenho cerca de 40 amigos com quem me comunico regularmente. É muito bom ler uma carta vinda de longe, escrever sobre minha vida e saber a dos outros", afirma.

A universitária Roberta Felix, 23, é jovem, mas mantem hábitos do tempo "das antigas". Deixa guardado em um diário suas memórias e relatos do cotidiano. Ela escreve desde os 9 anos e até hoje anda com papel e um bloco de anotações na bolsa. Sempre deixa recados e bilhetes aos amigos. "É uma atenção especial escrever algo para si ou para alguém. É diferente do computador, que é multitarefa. Quando a gente escreve à mão, geralmente fica fazendo só isso, pensando, elaborando. Por isso eu acho que é importante manter esta atenção consigo e com os outros, é bonito, é gentil, simples de fazer", diz.

A arte-educadora Fernanda Meireles é amante de cartões-postais. Cria os próprios suportes que dão asas às mensagens e saudades escritas. "O bacana é saber que a pessoa lembrou de você e te mandou um testemunho do que sente", comenta.


OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Comunicação para além das redes sociais

O desenvolvimento tecnológico sempre gerou incertezas de diversas ordens, sejam elas sociais, culturais, políticas, ambientais ou, mesmo, psíquicas. A possibilidade que os usuários têm de acessar informações sobre um tema de interesse muito particular irá provocar isolamento social? Não necessariamente. A abordagem que cada um confere às ferramentas de comunicação digital depende de fatores tão complexos quanto o lugar onde se vive, a profissão, a estrutura familiar e, logicamente, a personalidade.

A questão relevante, do meu ponto de vista, é que nem sempre nos é dada a opção de viver sem as chamadas "tecnologias". Os bancos forçam os clientes a aprenderem a utilizar os terminais de autoatendimento.

Obter um emprego hoje em dia exige, muitas vezes, o domínio de habilidades com computadores. Assim sendo, o importante passa a ser apontar para a necessidade de aperfeiçoarmos a educação, entendida de forma ampla. Por exemplo: As redes sociais online permitem que se compartilhe a atualização do cotidiano de cada um. Mas até que ponto é interessante se expor de maneira intensa?

Jamil Marques,
Prof. do Inst. de Cultura da UFC


PROJETO SOCIAL

Crianças viajam o mundo pelas cartas

Mais de 900 crianças e adolescentes viajam o mundo através das cartas que mandam e recebem para o exterior. Elas participam da Organização Não Governamental (ONG), Família Reunidas, no Bairro Padre Andrade. Como rotina da entidade, está o envio de correspondências para os padrinhos dos atendidos pelo Projeto em Fortaleza.

Indo na contramão da maioria dos jovens, eles se correspondem como antigamente - com papel e lápis - ao invés de mandar tudo por e-mail. Estão mantendo a tradição e se divertindo com a expectativa da chegada dos recados postais. "Apostamos no poder das cartas, de como elas comovem, levam e trazem sentimentos e marcam muito. São inesquecíveis, são para sempre e deixam vínculos", explica a coordenadora, Arita Maria Mesquita Guerra.

A atividade é financiada pelo Fundo Cristão para Crianças e está aberta para novos apadrinhamentos, pessoas que se interessem em doar um pouco de dinheiro e tempo para meninos e meninas carentes.

Um lenço roxo com flores, um retrato de uma paisagem gelada e uma cartinha com mil beijos e felicitações. Esta é a recordação mais recente que a estudante, Natali Souza Abreu, 10, tem da sua madrinha, moradora dos Estados Unidos. "Eu gosto de escrever cartas, me sinto feliz. Conto da minha vida, de como estou na Escola, da minha saúde. Ela me conta do tempo, dos filhos. É um hábito que já nem existe tanto", diz.

Sobre a tradição da correspondência pessoal, a assessoria de Comunicação dos Correios, explicou que no Ceará são distribuídas aproximadamente 1 milhão de correspondências por dia. "Com advento da tecnologia, sabemos que quantidade de cartas pessoais vem diminuindo, mas não temos estatística. No entanto, a quantidade total de correspondências e objetos vem crescendo, devido, por exemplo, ao comércio eletrônico", explica.


IVNA GIRÃO
REPÓRTER

Publicado em 24 de abril de 201

FONTE:

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