Por Gazeta do Povo
14/11/2019] [18:00]
Neste 15 de novembro, a república presidencialista
brasileira completa 130 anos desde sua proclamação em 1889, quando um golpe
político e militar liderado pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca aboliu a
monarquia parlamentarista, destituiu o imperador dom Pedro II e instaurou a
república. O Brasil já havia decidido, 77 anos antes, tornar-se livre e
responsável por seu destino com a declaração de independência em relação a
Portugal, em 1822.
Desde então, o país aprovou sete constituições, a “Lei
Fundamental” das bases, princípios e normas sob as quais o país e sua população
decidem como querem existir e se desenvolver. A primeira Constituição data de
1824, logo após a independência; a segunda, de 1891, menos de dois anos após a
proclamação da República; a terceira, de 1934, na chamada Segunda República; a
quarta, de 1937, na época do Estado Novo, sob a ditadura de Getúlio Vargas; a
quinta é de 1946, voltando às bases da Constituição de 1934, para eliminar os
ditames do regime autoritário getulista; a sexta, de 1967, foi elaborada pelos
militares que haviam assumido o poder em 1964, com o golpe que depôs João
Goulart; por fim, a sétima – e que vigora até hoje – foi promulgada em 1988;
apelidada de Constituição Cidadã, ela consolidou a redemocratização iniciada em
1985.
Essas sete constituições e suas emendas resultaram todas da
promessa de criar as bases para o desenvolvimento nacional, superar a pobreza e
oferecer um bom padrão de vida e de bem-estar social ao povo brasileiro. A
Constituição atual, promulgada em 5 de outubro de 1988, já teve pouco mais de
100 emendas, entre as ordinárias e as emendas de revisão, e ainda terá várias
outras, a julgar pela quantidade de PECs em tramitação no Congresso Nacional.
Portanto, não é por falta de normas constitucionais que o Brasil continua com
baixo crescimento econômico, elevado desemprego e altos índices de pobreza. O
problema não reside na quantidade de normas, mas em seus princípios e sua
qualidade.
As bases da república inaugurada há 130 anos ainda estão aí
e não foram capazes de lançar a nação rumo ao grupo dos países desenvolvidos
Vários erros foram cometidos pelo país ao longo de sua
história, e eles fazem parte da explicação sobre o atraso e a pobreza, a
despeito das riquezas naturais abundantes. Sempre são invocadas causas como a
formação nacional, a cultura, os hábitos e a mentalidade da população – temas
que são objeto de profundas controvérsias –, aos quais se juntam erros
conhecidos. Um deles, a industrialização tardia e a permanência do país
dependente de um setor agrícola pobre e sem tecnologia, como resultado do fato
de que, embora a independência tenha ocorrido em 1822, somente em 1844 foram
instalados os primeiros pilares para a industrialização.
Outro erro foi a demora em abolir a escravidão, o que
ocorreu somente em 1888, retardando o surgimento de uma classe de trabalhadores
livres, necessários para o novo ciclo de desenvolvimento baseado na indústria e
nas tecnologias surgidas a partir da Revolução Industrial décadas antes. Os
trabalhadores livres teriam sido importantes para formar uma classe com renda
capaz de significar uma nova classe de consumidores, necessária à formação de
um mercado consumidor interno. Para agravar o quadro, o terceiro erro foi a não
criação, junto com a declaração da independência, de um sistema de educação
básica pública e gratuita para todos os brasileiros. A omissão do Estado em
relação à educação, desde a expulsão dos jesuítas em meados do século 18, foi
talvez o mais grave dos erros. No tempo da colônia, os jesuítas atuavam na
educação brasileira, mas, após um longo histórico de problemas com a Coroa
portuguesa, o rei dom José I, aconselhado pelo Marquês de Pombal, decidiu pela
expulsão dos jesuítas do reino português e suas colônias em 1759, sem que o
governo – seja o português, até a independência, seja o imperial, depois de
1822 – assumisse a tarefa de montar um moderno sistema educacional.
Embora a industrialização tardia, a demora em pôr fim à
escravidão e a inexistência de um sistema educacional tenham dado causa à
pobreza e ao baixo desenvolvimento que vigoram até hoje, esses fatos da vida
nacional não respondem sozinhos pelo atraso do país. As bases da república
inaugurada há 130 anos ainda estão aí e não foram capazes de lançar a nação
rumo ao grupo dos países desenvolvidos. Um dos problemas é que, a cada
Constituição implantada, aumentava o inchaço do setor estatal; mais o governo
passava a interferir na vida dos indivíduos e nos negócios, mais a burocracia
estatal se tornava cara, ineficiente, sufocante e corrupta, de forma que se
acabou criando uma sociedade a serviço do Estado, e não o inverso, que seria o
correto.
Ulysses Guimarães, presidente da Câmara e da Assembleia
Nacional Constituinte na promulgação da Constituição de 1988, chamou a carta
magna de “Constituição Cidadã” sob o argumento de que ela trouxe o cidadão para
dentro da lei fundamental, alegando que isso iria servir aos pobres e melhorar
as condições sociais. A intenção pode ter sido boa, mas o que se viu, ao longo
desses 130 anos de República e 31 anos da Constituição de 1988, com suas mais
de 100 emendas, foi um país amarrado, lento, fechado e pouco inovador.
O povo não foi trazido para dentro da Constituição: pelo
contrário, o Estado subiu nos ombros do povo para tributá-lo e controlá-lo. O
resultado é que nem os 130 anos de República, nem os quase 200 anos de
independência (a completar em 2022), e muito menos a Constituição Cidadã foram suficientes
para tirar o país do atraso, superar a pobreza e melhorar o padrão de bem-estar
social médio dos 208,5 milhões de habitantes a ponto de tornar o Brasil um país
desenvolvido. O desafio de cumprir os objetivos declarados na Carta Magna
continua aberto, à espera das reformas que efetivamente coloquem o Estado para
servir o cidadão."
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