terça-feira, 15 de julho de 2025

Livrarias em declínio no Brasil e o sucesso das livrarias em Buenos Aires: o que explica esse contraste?

Ednardo Sousa Bezerra Jr



     Nos últimos anos, o cenário das livrarias no Brasil tem chamado a atenção por um motivo preocupante, o número de estabelecimentos vem diminuindo progressivamente (G1, 2019). Ao mesmo tempo, basta caminhar pelas ruas de Buenos Aires, na Argentina, para se deparar com livrarias cheias de leitores, visitantes e apaixonados por livros. O que explica esse contraste entre dois países vizinhos, com culturas semelhantes em tantos aspectos?

      Neste artigo, analisamos as razões para o enfraquecimento do mercado livreiro brasileiro e os fatores que fazem das livrarias argentinas, especialmente as de Buenos Aires, verdadeiros polos culturais.

Por que o número de livrarias no Brasil está diminuindo?

     O fechamento progressivo de livrarias no Brasil tem múltiplas causas, que envolvem fatores econômicos, sociais e estruturais. A crise econômica e o aumento do custo de vida tornam os livros cada vez menos acessíveis para grande parte da população (SNEL, 2021). Com isso, muitas famílias deixam de priorizar a compra de obras literárias, enxergando o livro como um item supérfluo diante de outras necessidades básicas.

     Além disso, o hábito da leitura ainda é pouco incentivado desde a infância. Em muitas escolas públicas, o acesso à leitura não ocorre de forma prazerosa ou frequente, e o papel das bibliotecas escolares tem se enfraquecido com o tempo (IBGE, 2020). Sem estímulo consistente, o livro não se torna um companheiro cotidiano da maioria dos brasileiros.

     Outro fator determinante é a ascensão do comércio em plataformas digitais. Sites como Amazon, com preços baixos e frete gratuito, dominaram o mercado, deixando as livrarias físicas em desvantagem competitiva (CartaCapital, 2021). Isso contribuiu para o fechamento de várias lojas.

     A situação se agrava com a baixa distribuição de livrarias em nível nacional. Mais da metade dos municípios brasileiros não possui sequer uma livraria, o que torna o acesso ao livro ainda mais restrito para quem vive fora dos grandes centros urbanos (Instituto Pró-Livro, 2020). Todo esse contexto reflete uma realidade preocupante, em que o livro vai perdendo espaço não apenas no comércio, mas também na vida cotidiana das pessoas.

     Grandes redes como Saraiva e Livraria Cultura, que já dominaram o mercado nacional, enfrentaram falência e reduziram drasticamente sua presença física no país (Folha de S.Paulo, 2018). A falta de acesso físico aos livros é uma barreira real, especialmente em regiões mais afastadas dos grandes centros.

Por que as livrarias de Buenos Aires são tão movimentadas?

     Enquanto o Brasil enfrenta a retração do setor livreiro, Buenos Aires vive uma realidade totalmente oposta. A capital argentina é considerada a cidade com mais livrarias por habitante no mundo (The Guardian, 2015).

     Buenos Aires é repleta de livrarias pequenas, especializadas, charmosas e acessíveis. Algumas se tornaram pontos turísticos, como a famosa El Ateneo Grand Splendid, localizada dentro de um antigo teatro. O jornal britânico The Guardian elegeu-a como a segunda livraria mais bonita do mundo (Aguiar Buenos Aires, 2021).


 El Ateneo Grand Splendidlocalizada na cidade de Buenos Aires, 
foi eleita pelo jornal britânico The Guardian como a segunda livraria mais linda do mundo
FONTE: https://aguiarbuenosaires.com/livraria-el-ateneo/


     A Argentina possui uma tradição literária muito forte. Escritores como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Ernesto Sábato são ícones da cultura nacional. A leitura é vista não apenas como aprendizado, mas como parte da identidade cultural do país (La Nación, 2019).

     O governo argentino investe com mais frequência em cultura, editoras locais, feiras de livros e programas de incentivo à leitura (UNESCO, 2022). Para muitos argentinos, visitar livrarias é uma atividade de lazer, como ir a um café ou a uma exposição. As livrarias oferecem ambientes aconchegantes e são pontos de encontro, não apenas de consumo.

     Também é comum encontrar em Buenos Aires livrarias com livros novos e usados, além de edições populares e baratas, o que facilita o acesso a todas as classes sociais (Clarín, 2020).

O consumo de vinil nas livrarias argentinas

     O consumo de discos de vinil, em um mundo digital, chama a atenção. Segundo dados da Cámara Argentina de Productores de Fonogramas y Videogramas (CAPIF), o vinil representa cerca de 50% de todas as vendas físicas de música no país, empatando com o CD (CAPIF, 2022). Entre 2018 e 2021, sua participação subiu de 15% para 61%, revelando um renascimento do formato.

     O consumo de vinil em Buenos Aires, especialmente em livrarias como El Ateneo, é forte. Iniciativas como a Vinyl Night (noite do vinil), que une literatura e música, têm demonstrado como as livrarias se envolvem diretamente com esse segmento.

 Comparativo entre Brasil e Argentina

     No Brasil, o incentivo à leitura ainda é limitado. São poucas as políticas públicas consistentes que estimulem o hábito de ler desde a infância. Isso contrasta com a realidade argentina, onde há um esforço mais constante e articulado para valorizar o livro e a leitura (UNESCO, 2022).

     Outro ponto importante é o preço dos livros. No Brasil, eles costumam ser caros, dificultando o acesso para grande parte da população (SNEL, 2021). Na Argentina, por outro lado, é comum encontrar edições populares e livros usados, o que contribui para uma maior democratização.

     O Brasil possui um número reduzido de livrarias, mal distribuídas. Buenos Aires, em contraste, abriga uma impressionante quantidade de livrarias, sendo considerada a cidade com mais livrarias per capita do mundo (The Guardian, 2015). A leitura, para os argentinos, é uma prática cultural e de lazer; no Brasil, ainda não está plenamente integrada à rotina da maioria.

Conclusão

     Enquanto o Brasil vê suas livrarias desaparecerem, a Argentina, especialmente sua capital, prova que é possível manter a leitura viva com políticas públicas, apoio cultural e valorização da literatura como parte da vida cotidiana.

     Mais do que uma comparação, este cenário é um convite à reflexão: o que podemos aprender com o exemplo argentino? Incentivar a leitura é mais do que vender livros, é construir uma sociedade mais crítica, informada e conectada com sua cultura.


REFERÊNCIAS

  • AGUIAR BUENOS AIRES. Livraria El Ateneo Grand Splendid. Disponível em: https://aguiarbuenosaires.com/livraria-el-ateneo/. Acesso em: 14 jul. 2025.

  • CAPIF – Cámara Argentina de Productores de Fonogramas y Videogramas. Informe Anual 2022. Disponível em: https://www.capif.org.ar/

  • CARTACAPITAL. Por que tantas livrarias estão fechando no Brasil? 2021.

  • CLARÍN. Las librerías más emblemáticas de Buenos Aires. 2020.

  • FOLHA DE S.PAULO. Saraiva e Cultura entram em recuperação judicial. 2018.

  • G1. Número de livrarias no Brasil cai pela metade em uma década. 2019.

  • IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: Práticas de Leitura, 2020.

  • INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil – 5ª edição. 2020.

  • LA NACIÓN. Borges, Cortázar y Sábato: el alma literaria argentina. 2019.

  • SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Panorama do Setor Livreiro no Brasil, 2021.

  • THE GUARDIAN. Top 10 bookstores around the world. 2015.

  • UNESCO. World Book Capital Cities and Reading Promotion Strategies, 2022.


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