segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Vygotsky e o desenvolvimento humano

 
 
Elaine Rabello
José Silveira passos
O que é Desenvolvimento Humano?
A noção de desenvolvimento está atrelada a um contínuo de evolução, em que nós caminharíamos ao longo de todo o ciclo vital. Essa evolução, nem sempre linear, se dá em diversos campos da existência, tais como afetivo, cognitivo, social e motor.
Este caminhar contínuo não é determinado apenas por processos de maturação biológicos ou genéticos. O meio (e por meio entenda-se algo muito amplo, que envolve cultura, sociedade, práticas e interações) é fator de máxima importância no desenvolvimento humano.
Os seres humanos nascem “mergulhados em cultura”, e é claro que esta será uma das principais influências no desenvolvimento. Embora ainda haja discordâncias teóricas entre as abordagens que serão apresentadas adiante sobre o grau de influência da maturação biológica e da aprendizagem com o meio no desenvolvimento, o contexto cultural é o palco das principais transformações e evoluções do bebê humano ao idoso. Pela interação social, aprendemos e nos desenvolvemos, criamos novas formas de agir no mundo, ampliando nossas ferramentas de atuação neste contexto cultural complexo que nos recebeu, durante todo o ciclo vital.
Perspectivas de Estudo do Desenvolvimento humano (Ribeiro, 2005):
Na Psicologia do Desenvolvimento, temos algumas perspectivas diversas.
  • Para os teóricos Ambientalistas, entre eles Skinner e Watson (do movimento behaviorista), as crianças nascem como tábulas rasas, que vão aprendendo tudo do ambiente por processos de imitação ou reforço.
  • Para os teóricos Inatistas, como Chomsky, as crianças já nascem com tudo que precisam na sua estrutura biológica para se desenvolver. Nada é aprendido no ambiente, e sim apenas disparado por este.
  • Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Piaget, o desenvolvimento é construído a partir de uma interação entre o desenvolvimento biológico e as aquisições da criança com o meio.  Temos ainda uma abordagem Sociointeracionista, de Vygotsky, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá em relação nas trocas entre parceiros sociais, através de processos de interação e mediação.
  • Temos a perspectiva Evolucionista, influenciada pela teoria de Fodor, segundo a qual o desenvolvimento humano se dá no desenvolvimento das características humanas e variações individuais como produto de uma interação de mecanismos genéticos e ecológicos, envolvendo experiências únicas de cada indivíduo desde antes do nascimento.
  • Ainda existe a visão de desenvolvimento Psicanalítica, em que temos como expoentes Freud, Klein, Winnicott e Erikson. Tal perspectiva procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos durante a infância e pelo resto do ciclo vital.

Vygotsky: uma breve história

Vygotsky nasceu em 1896 na Bielo-Rússia, que depois (em 1917) ficou incorporada à União Soviética, e mais recentemente voltou a ser Bielo-Rússia. Nasceu no mesmo ano que Piaget (coincidência?!), mas viveu muitíssimo menos que este último, pois morreu de tuberculose em 1934, antes de completar 38 anos.
Foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa ao insistir que as funções psicológicas são um produto de atividade cerebral. Conseguiu explicar a transformação dos processos psicológicos elementares em processos complexos dentro da história.
Vygotsky enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Para o teórico, o sujeito é interativo, pois adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio, a partir de um processo denominado mediação.
As principais obras de Vygotsky traduzidas para o português são “A formação social da mente”, “Psicologia e pedagogia” e “Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem”, “A Construção do Pensamento e Linguagem” (obra completa), “Teoria e Método em Psicologia”, “Psicologia Pedagógica”.
Vygotsky morreu em 1934, e sua obra permaneceu desconhecida no Ocidente até os anos 60, principalmente por razões políticas. Teve dois artigos publicados em periódicos americanos nos anos 30, e apenas em 1962 saiu nos Estados Unidos o livro Pensamento e Linguagem, edição a partir da qual foram feitas outras – inclusive a brasileira, mas que na verdade é uma compilação que corresponde a apenas um terço da obra.
Vygotsky trouxe uma nova perspectiva de olhar às crianças. Ao lado de colaboradores como Luria, Leontiev e Sakarov, entre outros, apresenta-nos conceitos, alguns já abordados por Jean Piaget, um dos primeiros a considerar a criança como ela própria, com seus processos e nuanças, e não um adulto em miniatura.
O teórico pretendia uma abordagem que buscasse a síntese do homem como ser biológico, histórico e social. Ele sempre considerou o homem inserido na sociedade e, sendo assim, sua abordagem sempre foi orientada para os processos de desenvolvimento do ser humano com ênfase da dimensão sócio-histórica e na interação do homem com o outro no espaço social. Sua abordagem sócio-interacionista buscava caracterizar os aspectos tipicamente humanos do comportamento e elaborar hipóteses de como as características humanas se formam ao longo da história do indivíduo (Vygotsky, 1996).
Vygotsky et. al. (1988) acredita que as características individuais e até mesmo suas atitudes individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos por mais individual de um ser humano foi construído a partir de sua relação com o indivíduo.
Suas maiores contribuições estão nas reflexões sobre o desenvolvimento infantil e sua relação com a aprendizagem em meio social, e também o desenvolvimento do pensamento e da linguagem.
Nos aprofundando um pouco mais nas idéias de Vygotsky…
Desenvolvimento e Aprendizagem: a Zona de Desenvolvimento Proximal
Para J. Piaget, dentro da reflexão construtivista sobre desenvolvimento e aprendizagem, tais conceitos se inter-relacionam, sendo a aprendizagem a alavanca do desenvolvimento. A perspectiva piagetiana é considerada maturacionista, no sentido de que ela preza o desenvolvimento das funções biológicas – que é o desenvolvimento – como base para os avanços na aprendizagem. Já na chamada perspectiva sócio-interacionista, sócio-cultural ou sócio-histórica, abordada por L. Vygotsky, a relação entre o desenvolvimento e a aprendizagem está atrelada ao fato de o ser humano viver em meio social, sendo este a alavanca para estes dois processos. Isso quer dizer que os processos caminham juntos, ainda que não em paralelo. Entenderemos melhor essa relação ao discutir a Zona de Desenvolvimento proximal.
Os conceitos sócio-interacionistas sobre desenvolvimento e aprendizagem se fazem sempre presentes, impelindo-nos à reflexão sobre tais processos. Como lidar com o desenvolvimento natural da criança e estimulá-lo através da aprendizagem? Como esta pode ser efetuada de modo a contribuir para o desenvolvimento global da criança?
Em Vygotsky, ao contrário de Piaget, o desenvolvimento – principalmente o psicológico/mental (que é promovido pela convivência social, pelo processo de socialização, além das maturações orgânicas) – depende da aprendizagem na medida em que se dá por processos de internalização de conceitos, que são promovidos pela aprendizagem social, principalmente aquela planejada no meio escolar[1].
Ou seja, para Vygotsky, não é suficiente ter todo o aparato biológico da espécie para realizar uma tarefa se o indivíduo não participa de ambientes e práticas específicas que propiciem esta aprendizagem. Não podemos pensar que a criança vai se desenvolver com o tempo, pois esta não tem, por si só, instrumentos para percorrer sozinha o caminho do desenvolvimento, que dependerá das suas aprendizagens mediante as experiências a que foi exposta.
Neste modelo, o sujeito – no caso, a criança – é reconhecida como ser pensante, capaz de vincular sua ação à representação de mundo que constitui sua cultura, sendo a escola um espaço e um tempo onde este processo é vivenciado, onde o processo de ensino-aprendizagem envolve diretamente a interação entre sujeitos.
Essa interação e sua relação com a imbricação entre os processos de ensino e aprendizagem podem ser melhor compreendidos quando nos remetemos ao conceito de  ZDP. Para Vygotsky (1996), Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), é a distância entre o nível de desenvolvimento real, ou seja, determinado pela capacidade de resolver problemas independentemente, e o nível de desenvolvimento proximal, demarcado pela capacidade de solucionar problemas com ajuda de um parceiro mais experiente. São as aprendizagens que ocorrem na ZDP que fazem com que a criança se desenvolva ainda mais, ou seja, desenvolvimento com aprendizagem na ZDP leva a mais desenvolvimento,por isso dizemos que, para Vygotsky, tais processos são indissociáveis.
É justamente nesta zona de desenvolvimento proximal que a aprendizagem vai ocorrer. A função de um educador escolar, por exemplo, seria, então, a de favorecer esta aprendizagem, servindo de mediador entre a criança e o mundo. Como foi destacado anteriormente, é no âmago das interações no interior do coletivo, das relações com o outro, que a criança terá condições de construir suas próprias estruturas psicológicas (Creche Fiocruz, 2004). É assim que as crianças, possuindo habilidades parciais, as desenvolvem com a ajuda de parceiros mais habilitados (mediadores) até que tais habilidades passem de parciais a totais. Temos que trabalhar, portanto, com a estimativa das potencialidades da criança, potencialidades estas que, para tornarem-se desenvolvimento efetivo, exigem que o processo de aprendizagem, os mediadores e as ferramentas estejam distribuídas em um ambiente adequado (Vasconcellos e Valsiner, 1995).
Temos portanto uma interação entre desenvolvimento e aprendizagem, que se dá da seguinte maneira: em um contexto cultural, com aparato biológico básico interagir, o indivíduo se desenvolve movido por mecanismos de aprendizagem provocados por mediadores.
Para Vygotsky, o processo de aprendizagem deve ser olhado por uma ótica prospectiva, ou seja, não se deve focalizar o que a criança aprendeu, mas sim o que ela está aprendendo. Em nossas práticas pedagógicas, sempre procuramos prever em que tal ou qual aprendizado poderá ser útil àquela criança, não somente no momento em que é ministrado, mas para além dele. É um processo de transformação constante na trajetória das crianças. As implicações desta relação entre ensino e aprendizagem para o ensino escolar estão no fato de que este ensino deve se concentrar no que a criança está aprendendo, e não no que já aprendeu. Vygotksy firma está hipótese no seu conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
(Creche Fiocruz, 2004)
Pensamento e Linguagem:
            Existem duas grandes vertentes na Psicologia que explicam a aquisição da linguagem: uma delas defende que a linguagem já nasce conosco; outra, que é aprendida no meio. Vejamos os principais autores de cada uma das partes:
Proposta ambientalista: “do nada ao tudo através da experiência”
Skinner: possibilidade de explicar a linguagem e qualquer comportamento humano complexo pelos mesmos princípios estudados em laboratório.
A proposta inatista forte:
Chomsky: o bebê nasce com todo o aparato. Nada é aprendido no ambiente; é apenas disparado por ele. A criança apenas vai se moldando às especificidades da sua língua.
A proposta interacionista:
            Piaget: o mecanismo interacionista — a linguagem faz parte de uma função mais ampla, que é a capacidade de representar a realidade através de significados que se distinguem de significantes.
 
Vygotsky: raízes genéticas do pensamento e da linguagem – linguagem é considerada como instrumento mais complexo para viabilizar a comunicação, a vida em sociedade. Sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico, nem cultural.
Bruner: Psicologia cultural – defende a visão cultural do desenvolvimento da linguagem e coloca a interação social no centro de sua atenção sobre o processo de aquisição.
Cole: Sociocultural – para que a criança adquira mais do que rudimentos de linguagem, ela deve não apenas ouvir ou ver linguagem, mas também participar de atividades que a linguagem ajuda a criar e manter.
Segundo Vygotsky…

As funções da linguagem

A linguagem é, antes de tudo, social. Portanto, sua função inicial é a comunicação, expressão e compreensão. Essa função comunicativa está estreitamente combinada com o pensamento. A comunicação é uma espécie de função básica porque permite a interação social e, ao mesmo tempo, organiza o pensamento.
Para Vygotsky, a aquisição da linguagem passa por três fases: a linguagem social, que seria esta que tem por função denominar e comunicar, e seria a primeira linguagem que surge. Depois teríamos a linguagem egocêntrica e a linguagem interior, intimamente ligada ao pensamento.
A linguagem egocêntrica
A progressão da fala social para a fala interna, ou seja, o processamento de perguntas e respostas dentro de nós mesmos – o que estaria bem próximo ao pensamento, representa a transição da função comunicativa para a função intelectual. Nesta transição, surge a chamada fala egocêntrica. Trata-se da fala que a criança emite para si mesmo, em voz baixa, enquanto está concentrado em alguma atividade. Esta fala, além de acompanhar a atividade infantil, é um instrumento para pensar em sentido estrito, isto é, planejar uma resolução para a tarefa durante a atividade na qual a criança está entretida (Ribeiro, 2005).
A fala egocêntrica constitui uma linguagem para a pessoa mesma, e não uma linguagem social, com funções de comunicação e interação. Esse “falar sozinho” é essencial porque ajuda a organizar melhor as idéias e planejar melhor as ações. É como se a criança precisasse falar para resolver um problema que, nós adultos, resolveríamos apenas no plano do pensamento / raciocínio.
Uma contribuição importante de Vygotsky e seus colaboradores, descrita no livro Pensamento e Linguagem (1998), do mesmo autor, é o fato de que, por volta dos dois anos de idade, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem – que até então eram estudados em separado – se fundem, criando uma nova forma de comportamento.
Este momento crucial, quando a linguagem começa a servir o intelecto e os pensamentos começam a oralizar-se – a fase da fala egocêntrica – é marcado pela curiosidade da criança pelas palavras, por perguntas acerca de todas as coisas novas (“o que é isso?”) e pelo enriquecimento do vocabulário.
O declínio da vocalização egocêntrica é sinal de que a criança progressivamente abstrai o som, adquirindo capacidade de “pensar as palavras”, sem precisar dizê-las. Aí estamos entrando na fase do discurso interior.  Se, durante a fase da fala egocêntrica houver alguma deficiência de elementos e processos de interação social, qualquer fator que aumente o isolamento da criança, iremos perceber que seu discurso egocêntrico aumentará subitamente. Isso é importante para o cotidiano dos educadores, em que eles podem detectar possíveis deficiências no processo de socialização da criança. (Ribeiro, 2005)

Discurso interior e pensamento

O discurso interior é uma fase posterior à fala egocêntrica. É quando as palavras passam a ser pensadas, sem que necessariamente sejam faladas. É um pensamento em palavras. Já o pensamento é um plano mais profundo do discurso interior, que tem por função criar conexões e resolver problemas, o que não é, necessariamente, feito em palavras. É algo feito de idéias, que muitas vezes nem conseguimos verbalizar, ou demoramos ainda um tempo para achar as palavras certas para exprimir um pensamento.
O pensamento não coincide de forma exata com os significados das palavras. O pensamento vai além, porque capta as relações entre as palavras de uma forma mais complexa e completa que a gramática faz na linguagem escrita e falada. Para a expressão verbal do pensamento, às vezes é preciso um esforço grande para concentrar todo o conteúdo de uma reflexão em uma frase ou em um discurso. Portanto, podemos concluir que o pensamento não se reflete na palavra; realiza-se nela, a medida em que é a linguagem que permite a transmissão do seu pensamento para outra pessoa (Vygotsky, 1998)
Finalmente, cabe destacar que o pensamento não é o último plano analisável da linguagem. Podemos encontrar um último plano interior: a motivação do pensamento, a esfera motivacional de nossa consciência, que abrange nossas inclinações e necessidades, nossos interesses e impulsos, nossos afetos e emoções. Tudo isso vai refletir imensamente na nossa fala e no nosso pensamento. (Vygotsky 1998)
BIBLIOGRAFIA
CRECHE FIOCRUZ. Projeto Político Pedagógico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.
RIBEIRO, A. M. Curso de Formação Profissional em Educação Infantil. Rio de Janeiro: EPSJV / Creche Fiocruz, 2005.
VASCONCELLOS e VALSINER. Perspectivas co-construtivistas na educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1998.
Sobre os autores:
Elaine Rabello: Graduanda em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Analista Transacional em Formação – Curso 202 na Área Clínica
José Silveira Passos: Psicólogo (CRP-05/18842), Psicoterapeuta, Analista Transacional (Membro Didata em Formação da UNAT-BR), Master em Ecologia Humana (Escola de Ecologia Humana – Argentina), Consultor Organizacional e Engenheiro
Como citar este artigo?
RABELLO, E.T. e PASSOS, J. S. Vygotsky e o desenvolvimento humano. Disponível em <http://www.josesilveira.com> no dia xx de xxxxxx de xxxx.
[1] Vejamos que esta diferença de concepções entre Piaget e Vygotsky se dá, em grande parte, pelo fato de que , para Piaget, desenvolvimento ´maturação’, e para Vygotsky, o termo também compreende o desenvolvimento psicológico.
 
VYGOTSKY. L.S. Formação social da mente.
  1. VYGOTSKY. L.S. Formação social da mente. Martins Fontes. São Paulo. 2007.
Capítulo 6
Interação entre aprendizado e desenvolvimento
Para Vygotsky, as concepções sobre a relação entre os processos de aprendizado e desenvolvimento reduzem-se a três posições teóricas, todas por ele rejeitadas:
1a – Parte da premissa que o aprendizado segue a trilha do desenvolvimento, pressupondo que o desenvolvimento é independente do aprendizado. O aprendizado seria um processo externo que se utilizados avanços do desenvolvimento mas não o impulsiona nem altera seu curso. O desenvolvimento (ou maturação) é considerado pré-condição para o aprendizado e nunca o resultado dele. Se as funções mentais de uma criança não amadureceram o suficiente para aprender um determinado assunto, nenhuma instrução se mostrará útil. Piaget seria representante desta linha;
2a – Postula que aprendizagem é desenvolvimento. O desenvolvimento é visto como o domínio dos reflexos condicionados. A diferença com relação ao primeiro grupo relaciona-se ao tempo. Para os primeiros, o desenvolvimento precede a aprendizagem. Para estes, os dois processos são simultâneos. James representa esta linha;
3a – Tenta superar os extremos das duas primeiras, combinando-as. Para os defensores desta linha (Koffka, gestaltistas), o desenvolvimento se baseia em dois processos diferentes (maturação e aprendizado), porém relacionados e mutuamente dependentes, sendo que um influencia o outro. Assim, a maturação (desenvolvimento do sistema nervoso) torna possível o aprendizado e este estimula a maturação. Assim, ao aprender de¬terminada operação, a criança cria estruturas mentais de um certo tipo. independentemente dos materiais e elementos envolvidos.
Portanto, o desenvolvimento é sempre um conjunto maior que o aprendizado.
Segundo Vygotsky, essa discussão leva a um velho problema pedagógico: a relação entre disciplina formal e transferência de aprendizagem. Movimentos pedagógicos tradicionais têm justificado a ênfase em disciplinas aparentemente irrelevantes para a vida diária (línguas clássicas, por exemplo), por sua influência sobre o desenvolvimento global: se o estudante aumenta sua atenção ao estudar gramática latina, aumentaria sua capacidade de focalizar atenção sobre qualquer outra tarefa. O pressuposto é que as capacidades mentais funcionam independentemente do material com que operam. Para o autor, Thorndike e Woodworth desmontaram esse argumento ao demonstrar, por exemplo, que a velocidade de somar números não está relacionada à velocidade de dizer antônimos.
Zona de desenvolvimento proximal : uma nova abordagem
Vigotsky apresenta uma nova posição com relação às três anteriores. O aprendizado, diz ele, começa muito antes de as crianças frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizado escolar tem uma história prévia. Por exemplo, antes de aprender aritmética a criança já lidou com noções de quantidade, de adição e outras operações, de comparação de tamanhos etc. A diferença é que o aprendizado escolar está voltado para a assimilação de fundamentos do conhecimento científico. Diz o autor: “Aprendizagem e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança” (p. 95). O aprendizado escolar produz algo novo no desenvolvimento da criança, além da pura sistematização. Para esclarecer esse “algo novo”, Vygotsky apresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal. Para ele, existem dois níveis de desenvolvimento:
1° – nível de desenvolvimento real, que é o resultado ou produto final de ciclos de desenvolvimento já completados. Por exemplo, a idade mental de uma criança medida num teste. Esse nível é dado por aquilo que a criança consegue fazer por si mesma, isto é, pela solução independente de problemas. Ele caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente.
2° – nível de desenvolvimento proximal, que define as funções que estão em processo de maturação, o estado dinâmico de desenvolvimento: é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. O nível de desenvolvimento proximal é determinado através da solução de problemas sob a orientação de adultos e em colaboração com companheiros mais capazes (quando o professor inicia a solução e a criança completa, por exemplo). Ele caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente.Assim, aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será zona de desenvolvimento real amanhã. Ou, em outras palavras, o que a criança faz hoje com assistência, amanhã fará sozinha.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal leva a uma reavaliação do papel da imitação no aprendizado. Para Vygotsky, a imitação não é um processo meramente mecânico, uma pessoa só consegue imitar aquilo que está no seu nível de desenvolvimento. Por exemplo, se o professor usa material concreto para resolver um problema, a criança entende; caso ele utilize processos matemáticos superiores, a criança não compreende a solução, não importa quantas vezes a copie.
Uma consequência disso é a mudança nas conclusões que podem ser tiradas de testes diagnósticos de desenvolvimento. A zona de desenvolvimento real medida pelos testes orienta “o aprendizado de ontem”, isto é, os estágios já completados, sendo, portanto, ineficaz para orientar o aprendizado futuro. A zona de desenvolvimento proximal permite propor uma nova fórmula: o bom aprendizado é aquele que se adianta ao desenvolvimento. Assim, para Vygotsky, o aprendizado desperta processos internos de desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage em seu ambiente e em cooperação com seus companheiros, uma vez internalizados, esses processos tornam-se aquisições independentes.A grande diferença do homem com o animal é que este último não consegue resolver problemas de forma independente, por mais que seja treinado.
Resumindo: para Vygotsky, os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. O desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás de aprendizado.
Capítulo 7
O papel do brinquedo no desenvolvimento
Para Vygotsky, o brinquedo exerce enorme influência na promoção do desenvolvimento infantil, apesar de não ser o aspecto predominante da infância. Para ele, o termo brinquedo refere-se essencialmente ao ato de brincar, à atividade. Embora mencione modalidades diferentes de brinquedos, como jogos esportivos, seu foco é o estudo dos jogos de papéis ou brincadeiras de faz-de-conta (mamãe e filhinha, por exemplo), típicas de crianças que aprendem a falar e, portanto, já são capazes de representar simbolicamente e envolver-se em situações imaginárias. A característica definidora do brinquedo, por excelência, é a situação imaginária.
A imaginação é uma função da consciência que surge da ação. É atividade consciente, um modo de funcionamento psicológico especificamente humano, não presente na consciência da criança muito pequena (com menos de três anos) e inexistente nos animais.
A criança muito pequena quer a satisfação imediata de seus desejos. Ela não consegue agir de forma independente daquilo que vê, há uma fusão entre o que é visto e seu significado, um exemplo é a seguinte situação: “Tânia está sentada. Pede-se à criança que repita a frase: Tânia está de pé. Ela mudará a frase para: Tânia está sentada”.
É na idade pré-escolar que ocorre a diferenciação entre o campo de significado e o campo de visão. O pensamento passa, de regido pelos objetos externos, a regido pelas idéias. A criança começa a utilizar materiais para representar a realidade ausente. Por exemplo, um cabo de vassoura representa um cavalo. Diz o autor: “A criança vê um objeto, mas age de maneira diferente daquilo que vê. Assim, é alcançada uma condição em que a criança começa a agir independentemente daquilo que ela vê” (p. 110). Mas essa transformação separar o pensamento (significado da palavra) do objeto – não se realiza de uma só vez. O objeto torna-se o pivô da separação entre o pensamento e o objeto real. Então, para imaginar um cavalo, a criança usa um “cavalo” de pau. Vygotsky situa o começo da imaginação humana na idade de três anos.O brinquedo é uma forma de satisfazer os desejos não realizáveis da criança, de suprir a necessidade que ela tem de agir em relação mundo adulto, extrapolando o universo dos objetos a que ela tem acesso. É através do brinquedo que ela pode dirigir um carro ou preparar uma refeição, por exemplo. A brincadeira é uma forma de resolver um impasse: a necessidade de ação da criança, com gratificação imediata versus a impossibilidade de executar essas ações na vida real e lidar com desejos que só podem ser satisfeitos no futuro. Essa contradição é explorada e resolvida temporariamente através do brinquedo.
Projetando-se nas atividades adultas de sua cultura, a criança procura ser coerente com os papéis assumidos e seguir as regras de comportamento adequadas à situação representada. Por exemplo, ao imaginar-se como mãe de sua boneca, a menina faz questão de obedecer as regras do comportamento maternal. Ensaia, assim, seus futuros papéis e valores. Nesse processo, a imitação também ganha destaque: imitar os mais velhos gera desenvolvimento intelectual e do pensamento abstrato. O esforço de manter a fidelidade ao que observa faz com a criança atue num nível mais avançado ao habitual para sua idade. “No brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade” (p. 117), diz Vygotsky.
Assim, ao atuar no mundo imaginário, seguindo suas regras, cria-se uma zona de desenvolvimento proximal, pois há o impulso em direção a conceitos e processos em desenvolvimento.
O prazer não é a característica que define o brinquedo. Ele preenche uma necessidade da criança. Para Vygotsky, o mais importante no jogo de papéis de que as crianças participam é induzi-las a adquirir regras de comportamento. Toda situação imaginária contém regras de comportamento, assim como todo jogo de regras contém uma situação imaginária. No brinquedo a criança tem que ter autocontrole, tem que agir contra o impulso imediato, uma vez que deve seguir as regras. Satisfazer as regras torna-se um desejo para a criança e é esse o atributo essencial do brinquedo.
Para Vygotsky, o brinquedo é o mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. “A criança desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo” (p. 117), diz ele. E mais adiante: “Na idade escolar, o brinquedo não desaparece mas permeia a atitude em relação à realidade” (p. 118). A instrução e o aprendizado na escola também estão avançados em relação ao desenvolvimento cognitivo. Tanto o brinquedo quanto a instrução escolar criam uma zona de desenvolvimento proximal.
Capítulo 8
A pré-história da linguagem escrita
A conquista da linguagem é um marco no desenvolvimento do homem. Ela possibilita, dentre outras coisas, que o homem planeje a solução para um problema antes de sua execução. O domínio da linguagem oral promove mudanças profundas, pois permite à criança organizar seu modo de agir e pensar e formas mais complexas de se relacionar com o mundo.
A aquisição da linguagem escrita representa um novo salto no desenvolvimento da pessoa e provoca uma mudança radical das características psicointelectuais da criança. Para Vygotsky, esse complexo sistema de signos que é a linguagem escrita fornece um novo instrumento de pensamento à criança, permite outra for¬ma de acesso ao patrimônio cultural da humanidade (contido nos livros e outros tipos de textos) e promove novas formas de relacionamento com as outras pessoas e com o conhecimento.
O aprendizado da escrita – produto cultural construído ao longo da história da humanidade – é um processo bastante complexo e começa muito antes de o professor colocar um lápis na mão da criança pela primeira vez.
Vigotsky critica o ensino da escrita apenas como habilidade motora. Diz ele: “Ensina-se a criança a desenhar letras e a construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem escrita como tal” (p. 119). A linguagem escrita é diferente da falada, pois exige um “treinamento artificial” que requer esforços e atenção enormes por parte do aluno e do professor. Então há o perigo de relegar-se a linguagem escrita viva a um segundo plano, com ênfase na técnica (como aprender a tocar piano).
A escrita é um sistema de representação simbólica da realidade bastante sofisticado. O processo de desenvolvimento da linguagem escrita pode parecer desconexo e confuso mas possui uma linha histórica unificada que conduz às formas superiores da linguagem escrita. Isso significa que:
  • num primeiro momento, a linguagem escrita constitui um simbolismo de segunda ordem, ou seja, um sistema de signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada; a linguagem falada constitui um sistema de símbolos de primeira ordem, isto é, signos de entidades reais e suas relações;
  • gradualmente há uma reversão a um estágio de primeira ordem: a língua falada desaparece como elo intermediário e a linguagem escrita adquire um caráter de simbolismo direto, passando a ser percebida da mesma maneira que a linguagem falada.
Vygotsky aponta uma continuidade entre as diversas representações simbólicas da realidade que a criança realiza: gestos, desenhos, brinquedos. Estas atividades, como formas de representação simbólica, contribuem para o processo de aquisição da linguagem escrita. A história do desenvolvimento da linguagem escrita na criança começa com o aparecimento do gesto como “signo visual inicial que contém a futura escrita da criança como uma semente contém um futuro carvalho” (p. 121). Os signos são a fixação de gestos. Para Vygotsky, há uma íntima relação entre a representação por gestos e a representação pêlos primeiros rabiscos e desenhos das crianças.
O brinquedo, ao exercer uma função simbólica, também está ligado à linguagem escrita. O brinquedo simbólico é uma espécie de “fala” através de gestos que dá significado aos objetos usados para brincar. Por exemplo: um livro designa uma casa, um lápis significa uma pessoa.
A criança só começa a desenhar quando a linguagem falada já alcançou grande progresso. A esse respeito, Vygotsky diz: “O desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal” (p. 127), sendo considerado, portanto, um estágio preliminar no desenvolvimento da linguagem escrita. Para Vygotsky (citando Hetzer), a fala é a representação simbólica primária, base de todos os demais sistemas de signos.
Na idade escolar, a criança apresenta uma tendência de passar de uma escrita pictográfica (baseada na representação simplificada dos objetos da realidade) para uma escrita ideográfica (representações através de sinais simbólicos abstratos). Gradualmente as crianças substituem traços indiferenciados por rabiscos simbolizadores, substituídos, por sua vez, por peque¬nas figuras e desenhos e, finalmente, pelos signos. Para chegar a isso, a criança precisa descobrir que, além de coisas, pode-se desenhar a fala. O desenvolvimento da linguagem escrita se dá pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. Assim, o brinquedo de faz-de-conta, o desenho e a escrita são momentos diferentes de um processo unificado de desenvolvimento da linguagem escrita. Desenhar e brincar são, portanto, estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita.
A partir dessas descobertas, Vygotsky chega a três conclusões de caráter prático:
1ª – seria natural transferir o ensino da escrita para a pré-escola, pois as crianças mais novas já são capazes de descobrir a função simbólica da escrita;2ª – a escrita deve ter significado para as crianças, a necessidade de aprender a escrever deve ser despertada e vista como necessária e relevante para a vida: “Só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como hábito de mãos e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem” (p. 133);3ª – há necessidade de a escrita ser ensinada naturalmente: os aspectos motores devem ser acoplados ao brinquedo e o escrever deve ser “cultivado” ao invés de “imposto”. A criança deve ver a escrita como momento natural de seu desenvolvimento e não como treinamento imposto de fora para dentro: “o que se deve fazer é ensinar às crianças a linguagem escrita, e não apenas a escrita das letras” (p. 134), diz Vygotsky.
Postado por Claudemir Mazucheli às 17:50

FONTE:http://valecursos.com.br/vygotsky-e-o-desenvolvimento-humano/

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